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Carlos Gabas – Proposta de Reforma da Previdência abole conceitos de solidariedade, proteção e combate à desigualdade social

O ex-ministro da Previdência Social nos governos Lula e Dilma, Carlos Eduardo Gabas, que também é funcionário de carreira do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), em entrevista ao site BRASIL DE FATO, reproduzida pelo Sindsefaz, diz que a proposta do governo está totalmente fora da realidade do país. Para ele, é uma proposta de visão financista, de prevalência individualista e que desmonta o nosso sistema de Previdência para implantar um modelo que não deu certo em nenhum lugar do mundo.

Veja entrevista.

Brasil de Fato: O PT, no governo, fez um fórum para debater a Reforma da Previdência. Agora, o partido é contra a reforma do Temer e do Bolsonaro. O que mudou?

Carlos Gabas: Somos contra o que ele está chamando de reforma, ou nova reforma, porque ela não tem nada a ver com reforma e muito menos é nova. É um modelo que nós sabemos que deu errado no mundo inteiro: onde foi experimentado deu errado e ele quer impor ao Brasil. O que ele apresenta é uma reforma fiscal. Não é outra coisa. Não tem nada a ver com reestruturação para dar sustentabilidade. É balela, é pano de fundo.

O que é então?

O que o Bolsonaro e o Paulo Guedes estão propondo é entregar a Previdência para os bancos, para a iniciativa privada e para o capital especulativo, o que vai aumentar a desigualdade social, a exclusão e a concentração de renda.

E qual a alternativa que o PT quer discutir para a Previdência?
Criamos o Fórum Nacional de Trabalho e Previdência para discutir o tema. Esse sistema de proteção social é tão importante para a sociedade, ele alcança tanta gente, que você não pode fazer qualquer mudança sem um diálogo com as partes que serão alcançadas pela medida. Por isso, montamos o fórum e trouxemos para a mesa os trabalhadores, os aposentados, os patrões e o governo. Aí, com transparência, com os números na mesa, com todo o acesso à informação, vamos debater com muita tranquilidade qual o modelo que queremos, qual é justo, qual é o que protege e de onde vai sair o dinheiro para custear este modelo.

Qual o problema nas propostas de Temer e Bolsonaro?

O Temer fez uma proposta que é um desmonte. De um lado, propôs tirar direitos e do outro perdoar dívidas de sonegadores. Por isso, somos contra. Errou na forma porque não teve diálogo; errou no conteúdo, porque penaliza o trabalhador. O Bolsonaro e o Guedes fazem pior. Eles erram na forma porque não tem diálogo e, no conteúdo, eles desmontam o sistema de proteção social. O que eles chamam de reforma é um desmonte de uma lógica consagrada na Constituição, que protege o cidadão quando ele mais precisa. Se a reforma do Temer já era ruim, porque faziam mudanças que chamamos de paramétricas, a do Bolsonaro e a do Paulo Guedes é pior porque ela muda o modelo e isso depois não tem volta.

Por que os mais pobres, os idosos e as pessoas com deficiência são os mais prejudicados?

Não tem nenhum ponto na reforma que ataca de verdade os privilégios. Os altos salários e as mordomias de quem tem no serviço público vão continuar.  E não mudam a regra de tributação do país. Na nossa proposta de reforma onde estávamos debatendo mercado de trabalho, relações de trabalho, financiamento da Previdência e regras de acesso a benefícios, a gente levava em conta a necessidade de uma reforma tributária. Por que? Porque os privilegiados do país vão continuar privilegiados, ganhando altos salários sem pagar imposto de renda. Quem paga Imposto de Renda é o assalariado, é o pobre. No limite, a classe média. Os ricos não pagam Imposto de Renda, nem imposto sobre fortuna, herança, sobre a transmissão dessa fortuna, sobre propriedade de veículos como iates, barcos, aviões, helicópteros. Isso tudo é isento. Nós temos uma política no país que privilegia os dono de capital, quem tem muito dinheiro e penaliza o mais pobre. Nós não podemos concordar com isso.

O modelo de repartição solidária é o mais comum no mundo. Por que mudar agora para o modelo de capitalização?

O nosso modelo foi baseado no modelo alemão do século passado e grande parte dos países do mundo adotam a mesma lógica. Qual é essa lógica, que a gente chama de solidariedade, regime de repartição? Por que ele tem esse nome? Quem tem mais contribui com mais para equilibrar as relações da sociedade. O Brasil é um país desigual com mais de 202 milhões de habitantes. Desigual nas relações de trabalho, no emprego, nos salários, na vida, regionalmente é desigual. Portanto, não dá para ter uma regra que trata todo mundo igual. Isso é injusto. Eu tratar o executivo de uma grande empresa com a mesma regra do peão de obra, que começa cedo, que tem um desgaste na sua saúde maior, que trabalha no sol, no pesado, isso é muito diferente, eu preciso ter regras diferentes.

Então por que o atual governo usa essa justificativa?

Quando ele fala que este modelo está ultrapassado é do ponto de vista do capital, do ponto de vista da especulação. E quer mudar esse modelo onde a sociedade é responsável pelo seus entes. A sociedade protege os seus. E isso é o correto. A sociedade é responsável por diminuir desigualdade, na medida das suas contribuições, quem ganha mais contribui mais, essa é uma lógica socialmente defensável. É uma lógica humanista. A lógica deles, no entanto, é a do capital especulativo. Além da sociedade produzir miséria, porque nós não temos a ilusão de que o filho do trabalhador braçal vai ter a mesma oportunidade que o filho da classe média, a tendência, infelizmente, e sempre foi assim, é que a classe mais pobre vai produzir mão de obra para servir a classe mais rica. Ora, eu preciso ter um mecanismo na sociedade para quando esse pobre não conseguir mais trabalhar, ele precisa ter o mínimo de proteção social. E é isso que o governo Bolsonaro ataca. Vou dar um exemplo: o benefício que é pago ao idoso pobre, ao deficiente pobre, que hoje é de um salário mínimo, na proposta é reduzido para R$ 400. Ele propõe que esse trabalhador braçal que começou com 13 ou 14 anos, trabalhe até os 65 anos e para ter a aposentadoria integral precisa ter 40 anos de contribuição. Isto é cruel. Isso não é factível no nosso mercado de trabalho, na nossa sociedade.

A proposta do governo cria vários entraves para o segurado especial rural. Como são e como ficariam os direitos daqueles que trabalham com a agricultura familiar?

A Constituição fez questão de proteger os trabalhadores rurais no capítulo da Seguridade, a partir do artigo 194. Trata-se do trabalhador e trabalhadora da produção em regime de agricultura familiar, pequenas propriedades de até quatro módulos fiscais. É a família que trabalha na terra e produz o nosso alimento, os responsáveis por colocar alimentos saudáveis e frescos na nossa mesa, 73% do que a gente come vem da agricultura familiar. Mas como eles se aposentam, qual é a regra? Eles têm que comprovar 15 anos de trabalho na terra. Ele produz, comercializa esse alimento e as notas fiscais indicam o desconto do INSS, é uma contribuição indireta. A prova do trabalho rural é o atestado do sindicato. Mas a medida provisória 871, do Jair Bolsonaro, acaba com isso e cria uma grande dificuldade para estes trabalhadores terem acesso à aposentadoria. E a crueldade vai além: a proposta diz que o agricultor precisa ter uma contribuição regular para ter a aposentadoria. Nós sabemos que no campo não tem as mesmas condições da cidade. Não tem salário, não tem dinheiro todo mês. Como é que ele contribui? Na medida da comercialização da produção. Ele é responsável pela nossa segurança alimentar. Nós não podemos desproteger este cidadão. Ele precisa ter condições para continuar no campo e produzindo. E o Bolsonaro, que quer tratar todo mundo igual, vai tratar esse trabalhador como o trabalhador urbano. Isso vai aumentar a desproteção social no campo.

Quais são os desdobramentos da reforma trabalhista, que cortou as regras de proteção dos empregados, no modelo da reforma da Previdência?

Se o governo realmente está buscando a sustentabilidade da Previdência, uma das primeiras medidas seria revogar a reforma trabalhista. Ela flexibiliza, no mau sentido, as regras de contratação. Ou seja, ela institucionaliza a informalidade. Ela aumenta a incidência do bico. E neste caso, não existe contribuição para a Previdência. Quando você cria posto de trabalho sem a contribuição para a Previdência, você fragiliza a arrecadação da Previdência.

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